Para quem viveu/conviveu nas Águas do Araguaia, é quase impossível não fazer referência àqueles que delas descenderam – a Nação Karajá: O povo Inã (nós mesmos); o povo das águas.
O rio Araguaia é origem e território do povo Karajá. Toda sua vida está ligada ao rio: o mito de criação, rituais de passagem, o alimento e a alegria...
Viemos de dentro do rio, do mundo abissal. Nossos ancestrais, curiosos com o mundo desconhecido que havia além de um orifício na superfície da água, atravessaram para este mundo e ficaram vivendo às margens do rio Araguaia. Nosso ancestral Koboi e seu povo ainda vivem nas profundezas do rio e é para ele que realizamos as cerimônias do Aruanâ e Hetohoky.2
Conta a mitologia que o povo do fundo das águas habitava um espaço restrito e frio. Curioso em conhecer a superfície, um jovem Karajá encontrou uma passagem –inysedena - lugar da mãe da gente, na ilha do Bananal (Toral, 1992). Fascinado pelas praias e riquezas do Araguaia e pelo amplo espaço para correr e morar, o jovem reuniu outros Karajá e subiram até a superfície. Tempos depois, encontraram a doença e a morte. Tentaram voltar, mas a passagem estava fechada e guardada por uma grande cobra, por ordem de Koboi, chefe do povo do fundo das águas. Resolveram então se espalhar pelo Araguaia, rio acima e rio abaixo.
Essa representação simbólica da doença e morte significa, hoje, o argumento de mobilização dos povos de cima do rio (da superfície) para re-discutir o modelo de produção construído ao longo dos anos no entorno do Berokan3, visando garantir a sua manutenção de forma sustentável e equilibrada com as condições sócio-ambientais hoje ali inscritas.
O Araguaia é, reconhecidamente, de uma beleza ímpar, representada por sua biodiversidade.
A partir do Século XIX esse território passou a ser re-ocupado por não-índios, vindos dos mais variados locais do território brasileiro em busca de terras para pastagem ou de pedras preciosas.
A região de Luciara/MT, construída nesse processo – e que será o cenário onde se realizará o II Festival Ecológico Cultural das águas de Mato Grosso – Águas do Araguaia, representa, num contexto sociológico e político, uma referência histórica para a Universidade do Estado de Mato Grosso. Foi em Luciara, que no início da década de 90, a Unemat, incorporando uma história de luta daquele povo sofrido, inicia sua Trajetória Teimosa de se inscrever como uma Universidade do Interior, implantando através do Projeto Parceladas 03 (três) cursos de graduação (uma das mais significativas Política Afirmativa da Instituição). Atualmente, em 2004, já somam 12 turmas, pois fundados na “Parceladas” de Luciara, o Projeto se espalhou pelo Mato Grosso através dos 11 (onze) Campi da Unemat e dos 13 (treze) Núcleos Pedagógicos da instituição.
Associado a esse fato, a região de Luciara foi palco de outros casos de registro Histórico. Dentre eles, a chegada de uma pessoa simples; um pequeno e frágil ser humano, paradoxalmente, símbolo da resistência e do compromisso com as causas sociais: Pedro Casaldáliga4 – liderança política e espiritual da região.
Dentre os Municípios da Região do Araguaia que reivindicaram a realização do II Festival da Águas, (Alto Araguaia, Luciara e Nova Xavantina) a Unemat, como forma de Reconhecimento pelos serviços prestados ao Brasil por este ícone de luta e resistência do Araguaia, resolve atender ao apelo das comunidades daquela região e realizar o evento em Luciara/MT – respaldada pelo próprio Pedro, como é simplesmente chamado pelos que crêem na sua causa.
Luciara foi uma das primeiras morada de D. Pedro Casaldáliga ao chegar à região, nos idos de 60. Desde ali a Prelazia de São Felix do Araguaia5 se instala em terras/águas do Araguaia, tendo como sede a cidade de São Félix do Araguaia/MT travando um enfrentamento contra o poder econômico em favor das comunidades indígenas, ribeirinhas e de posseiros; contra o abuso do poder dos coronéis; na luta pela erradicação do trabalho escravo; pela não implantação da hidrovia Araguaia/Tocantins, dentre outras. Durante a Ditadura Militar, o Bispo foi duramente vigiado e perseguido pelo Regime, principalmente, durante os manifestos da Guerrilha do Araguaia6, ocorrida no sul do Pará.
O Festival Ecológico Cultural das Águas do Araguaia procurará dentro de sua abrangência, discutir CULTURA e BIODIVERSIDADE recortando como tema gerador a ÁGUA, e tem como objetivo criar um palco de debates e reflexões sobre a situação das águas do Araguaia, contemplando olhares, vivências e experiências da cultura ribeirinha, constituída ao longo dos anos.
Uma das estratégias adotadas para desenvolver o Festival Ecológico e Cultural das Águas de Mato Grosso - Águas do Araguaia é a proposição de atividades como conferências, mesas redondas, oficinas ecológicas e culturais, mini-cursos, feiras de artesanato e de produtos orgânicos e shows culturais nas mais variadas linguagens artísticas.
Das entidades envolvidas espera–se recomendações que facilitem a participação da sociedade na gestão sustentável das águas do Araguaia, resultante das discussões levantadas durante o evento.
A Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat, no intuito de sensibilizar a comunidade sobre a necessidade de conservar este precioso elemento vivo (o Araguaia), tem a preocupação de fortalecer as lutas em defesa das questões ambientais e culturais, tendo como base sua filosofia agro-ambiental, vê-se desafiada à intervenção na realidade em contraposição à devastação e degradação da natureza.
Como uma Instituição de Ensino Superior Pública instalada estrategicamente nas diferentes regiões do Estado de Mato Grosso, a Unemat está inserida geograficamente nos biomas: floresta amazônica, cerrado e pantanal. Em meio a raras belezas locais e importância ecológica para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão, a Universidade fomenta a produção e difusão de conhecimentos construídos pela comunidade acadêmica a partir da interação com a sociedade, mostrando o valor desses biomas para a humanidade.
O FLEC – Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres/MT – através do GT Meio Ambiente - outro promotor do evento, é constituído por organizações populares não governamentais, sindicatos, federações e centrais sindicais de trabalhadores/as, associações de classe e comunitária, organizações acadêmicas e eclesiais, bem como os movimentos sociais - populares devidamente filiados através de documento próprio de adesão.
A Prelazia de São Félix do Araguaia, através da ANSA, em sua área de abrangência, atua da mesma forma buscando agregar, democraticamente, as diversidades socioculturais da região do Araguaia.
A Unemat em parceria com a Prelazia de São Félix do Araguaia, com FLEC, com o Ministério do Meio Ambiente – GESTAR/Araguaia e com a sociedade civil organizada, tem o propósito de celebrar através do II Festival Ecológico Cultural das Águas de Mato Grosso - Águas do Araguaia, a união das populações ribeirinhas e tradicionais e de suas diferentes organizações sociais, buscando a confraternização, o intercâmbio artístico, cultural e ambiental mostrando a riqueza da diversidade das raízes étnicas e socioculturais inseridas nessa região.
Nesse sentido, a Unemat terá a parceria, o apoio e o patrocínio de outras entidades preocupadas com o desenvolvimento num processo sustentável das águas e do meio ambiente. Dentre elas podemos citar:
O FORMAD (Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento); O Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Mato Grosso - SINTEP/MT; Comissão Pastoral da Terra -CPT; Direitos Humanos; Associação Terra-Viva/PAN; Associação Alvorada/V.Rica; APRUMAV e Retireiros do Araguaia-Luciara/MT; ANSA-SFA/MT; Associação dos Geógrafos do Brasil -AGB; Águas Vivas/Rede Cerrado/SFA-MT; FUNAI/Centro Cultural Karajá e Tapirapé; ICLMA-Instituto de Ciências e Letras do Médio Araguaia/UFMT; a BRASILTELECOM; O IBAMA/MT; Associação dos Municípios do Baixo Araguaia/AMBA; WWF; ISA; Sec. Estado de Cultura;
1 Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia/MT. Poema retirado do encarte do CD-Canto Araguaia.
2 Para maiores informes sobre o Povo Inã, acesse: http://www.pegue.com/indio/karaja.htm
3 Na língua Karajá significa Rio Grande; é utilizada em referência ao Araguaia.
4 http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/casaldaliga/
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